Estimados amigos, velhos companheiros do Seminário de Fortaleza, tenho sede!
“Meu coração está pronto, meu Deus, está pronto o meu coração! Vou cantar e tocar para vós: desperta, minh’alma, desperta! Despertem a harpa e a lira, eu irei acordar a aurora!” (Sl 56,).
Este já é “Encontro entre Amigos” desta vez com o Tema: “Presbíteros celebrando o Ano Jubilar, peregrinando no Ano da Esperança”, e com o Objetivo: Partilhar, Celebrar e Reanimar a nossa Esperança.
O pedido, que me foi feito, é que eu trabalhe com vocês os desafios: luzes e sombras na história do Ano Santo.
Não esqueçamos de que Jubileu é tempo de conversão, de reconciliação e de renovação da caminhada cristã. Tempo de travessia, de graça e de missão. Precisamos, como disse o salmista, em tempo de travessia, ser sentinelas de esperança. De uma esperança que nasce da tribulação e da incerteza, mas que nunca se cansa, … e decepciona. Para começo de conversa, afirmamos que somos peregrinos de esperança, que estamos em uma travessia, entre luzes e sombras, como aquela que Jesus fez com seus discípulos, no mar da Galileia: “passemos para a outra margem” (Mc 4,35). Quantas travessias já fizemos! Quantas vezes o mar se revoltou! E quantas vezes Jesus teve que acalmá-lo!
A primeira travessia, entre luzes e sombras, foi quando estive em Roma, por conta do Jubileu dos padres e dos bispos. Gostei. Esperava mais. Fiquei insatisfeito. E sabe qual foi o motivo desta minha insatisfação? Eu esperava que o papa, o Vaticano, a Cúria Romana e os organizadores do Jubileu me trouxessem um jubileu prontinho, como se oferece uma roupa lavada, uma cama feita e uma comida preparada. Este tipo de jubileu não existe. Não são os outros que fazem o jubileu por mim e para mim. Sou eu mesmo que devo fazer o meu jubileu. Não espere mais do papa, do bispo, dos colegas de presbitério e do povo mais do que eles podem dar. Espere mais de você.
A segunda travessia, entre luzes e sombras, é que estamos (ficando) velhos. É preciso admitir que aquele tempo de jovens, no Seminário, já passou e não volta mais. E tem outra opção melhor? Se tem não a conheço. Se estamos velhos é porque estamos vivos. Somente os vivos envelhecem.
A terceira travessia, entre luzes e sombras, é sentir-se peregrino de esperança. A esperança cristã nem sempre coincide com a esperança do mundo. O mundo passa por uma crise de identidade muito forte, aguda e acentuada: não sabe o que é, onde está e o que espera. No entanto, sabe muito o que quer: o ter, o poder e o prazer, não, necessariamente, nesta ordem, mas nestes três pilares. A esperança cristã nasce da incerteza: a tribulação, a perseverança, a virtude comprovada: a esperança (Rm 5,5). Em tempo de crise, é tempo de se ler o Apocalipse, o Livro da Consolação e da Vitória do Vivente (Ap 1,1).
A quarta travessia, entre luzes e trevas, é o chamado à conversão sinodal como prática de vida eclesial e de missão sacerdotal. A Igreja é sinodal por vontade de seu fundador. Caminhar juntos pode ser fadigoso e, de fato, o é. No entanto, é o único caminho possível. A Igreja não é minha. Sou apenas servo e servidor de uma obra que não é minha. Mais do que qualquer outro caminheiro, por este mundo de meus Deus, padre(pai) caminha com sua família (igreja) no meio, do lado, atrás, à frente, ou onde quiser ou puder. Achar que tem autoridade sobre o povo é infantilismo emocional-espiritual. O povo escuta, faz e segue o que melhor lhe convém. Segue até a primeira página daquilo que prego no altar.
A quinta travessia, entre luzes e sombras, é a vivência das virtudes. E as virtudes que mais deveriam nos inspirar hoje são as virtudes cardeais: Justiça (justo e justificado), Fortaleza (forte e firme), Prudência (maduro e sábio) e Temperança (equilíbrio e coerência). O mundo prefere a polarização. O padre deve preferir as virtudes cardeais.
A sexta travessia, entre luzes e sombras, são as crises socioambientais. Para tempo de crises, é preciso escuta silenciosa e orante do que o Espírito diz. É isto o que o Espírito diz à Igreja. O Brasil irá sediar a COP-30 sobre a crise climática. O Papa Leão XIV aprovou o formulário da Missa pelo cuidado da Criação. E na primeira missa que ele rezou, com esta fórmula, disse: “Devemos rezar pela conversão de muitas pessoas, dentro e fora da Igreja, que ainda não reconhecem a urgência de cuidar da casa comum”.
A sétima travessia, entre luzes e sombras, é o esgotamento físico e mental, na era da aceleração: as doenças físicas, mentais e vocacionais. As doenças mentais são as doenças do século. Muitos padres estão doentes mentalmente e vocacionalmente. Fala-se muito em cansaço, estresse, falta de gosto, desencanto, perda do sentido da vida e de esperança de alguns presbíteros. Ouve-se muito falar em suicídios de padres. Somos todos conscientes e corresponsáveis por este estado de vida. Às vezes, a vida do presbítero é idealizada demais, para não dizer, fantasiada ou miraculosa em demasia. Parecemos mais anjos do que gente. No entanto, somos santos, mas também pecadores. Cada um de nós precisa equilibrar o serviço a Deus e ao próximo com o cuidado consigo mesmo.
A oitava travessia, entre luzes e sombras, é a vida celibatária: há um contraste entre o ideal de uma vida casta e celibatária e os apelos afetivos e sexuais da sociedade. Ouve-se falar em assédio, abuso e importunação sexuais e em homoafetividade também no clero. O celibato nos faz pobres. Pelo celibato nos associamos aos doentes, aos loucos, aos idosos, aos impotentes, aos incapazes de praticar o sexo.
A nona travessia, entre luzes e trevas, é viver as quatro proximidades, sugeridas pelo Papa Francisco, de saudosa memória, como pilares da vida sacerdotal: proximidade a Deus, ao bispo, entre os presbíteros e ao povo. O resultado destas proximidades é o encantamento.
E a décima travessia, entre luzes e trevas, são os três olhares que devemos ter na vida, na Igreja, no sacerdócio, na vocação e na missão: amoroso, cuidadoso e esperançoso, pois a esperança não decepciona.
Muito agradecido!
Dom Pedro Brito Guimarães
Arcebispo de Palmas